Vendas superaram um milhão de unidades em 2013 e consolidam o impulso no setor
Jovem olha discos de vinil junto a sua velha bicicleta. / Cristóbal Manuel
“Pare, por favor”, pede um policial na pequena cidade norueguesa de
Lillestrøm. “Quantos quilômetros percorreu em bicicleta?”, pergunta o
agente.
Não parou o ciclista para repreendê-lo, mas para lhe dar
dinheiro por andar de bicicleta; um “imposto de retorno”, como foi
descrita a medida, que prevê o pagamento de cerca de dois euros por
quilômetro percorrido.
Essa é a quantia que a Agência Nacional de Saúde
da Noruega calculou que o transporte ativo economizava ao Governo. No
caso dos pedestres, o valor sobe para cinco euros por quilômetro
caminhado. “Andando a pé ou de bicicleta, os cidadãos beneficiam a
sociedade, já que isso melhora a saúde das pessoas, produz menos impacto
ambiental, descongestiona o sistema de transporte e melhora a economia
urbana”, defende Olé Jacob Flaetene, prefeito da cidade nórdica.
Mas as duas rodas não geram apenas benefícios intangíveis. Em 2013,
foram vendidas na Espanha mais de um milhão de bicicletas, superando
pelo segundo ano consecutivo as vendas de automóveis (722.703). Cifras
que animaram ao setor, que faturou 2,48% a mais que no exercício
anterior e que movimentou mais de um bilhão de euros (três bilhões de
reais), segundo a Associação de Marcas de Bicicletas da Espanha
(AMBE). A indústria ciclística, que emprega 14.000 pessoas, exibe
musculatura econômica. “Nos últimos cinco anos, em plena crise, as
vendas de bicicletas cresceram a uma média de 10%”, anuncia a AMBE, que
acaba de apresentar seu relatório sobre as cifras do setor.
O negócio das duas rodas
- Na Espanha há 3.000 empresas de bicicletas, que empregam 14.000 pessoas. A produção nacional chegou a 374.517 unidades em 2013.
- Em 2013 foram vendidas 1.034.374 de bicicletas. O faturamento do setor foi de 1,05 bilhão de euros, 60% em vendas, 24% em componentes e 16% em roupa e acessórios.
- O preço médio pago por uma mountain bike é de 211 euros. Um modelo urbano custa em média 169 euros.
- Cada ciclista gera 276 euros de benefício intangível à sociedade.
Nos últimos cinco anos, as cidades viveram uma tranquila revolução ciclística. Entre 2008 e 2011, o número de pessoas que chegava ao trabalho de bicicleta duplicou; passou de 6,8% para 11,9%, segundo o último Barômetro da Bicicleta da Direção Geral de Trânsito. “E nos três anos que se passaram desde essa medição, o uso urbano aumentou mais”, diz Luís Álvarez, consultor de mobilidade Freemob e vice-presidente da Associação Profissional de Técnicos Especialista em Mobilidade Urbana Sustentável (APTeMUS).
A quantidade de pessoas interessadas em bicicletas cresceu; e o
negócio, também. “Como o número de lojas se multiplicou, é preciso
dividir os lucros”, diz Andrés Arregui, um dos fundadores da loja
madrilenha Ciclos Noviciado. No ano passado, operavam na Espanha 3.000
lojas especializadas (incluindo departamentos de ciclismo de grandes
lojas). Muitas delas, recém-criadas, fruto da efervescência dos pedais.
“Acredito que a metade desses estabelecimentos terão de desaparecer”,
acrescenta Arregui. Em 2011, no centro de Madri existiam 55 lojas de
bicicletas; um ano depois, a cifra se multiplicou por três e superou os
180, segundo dados da Madrid Probici, a associação regional de
empresários do ramo. As vendas de bicicletas respondem por 60% do
faturamento da indústria ciclística; os componentes, 24%; e as vendas de
roupas e acessórios, 16%. “Entre a atomização e as escassas margens de
lucro, as lojas vivem um momento complicado”, queixa-se Sol Otero,
vice-presidenta da Plataforma Empresarial da Bicicleta e administradora
de uma bicicletaria mítica, Bicicletas Otero, fundada em 1927 em Madri.
Para Luís Álvarez “criou-se uma minibolha em torno das duas rodas”.
Após oito anos à frente de uma loja, Álvarez fechou as portas há seis
meses. “Passamos de um pequeno grupo de empresários a uma massificação.
Os novos vivem um pouco no limite, enquanto as lojas dedicadas ao
esportivo se mantêm um pouco melhor”, explica. “Vejo um boom nas
oficinas e no mercado de segunda mão”, acrescenta. A ReCycling
começou sua caminhada em 15 de julho de 2013 dedicada à venda de
bicicletas usadas. “Compramos, trocamos peças, consertamos o que for
necessário e colocamos à venda”, conta José Luís Martínez Molina. Sua
proposta agradou ao público; “o mercado de segunda mão era muito
obscuro: as bicicletas podiam ser roubadas e não se tinha segurança
nenhuma”, explica. Sem dúvida havia demanda. Ao final deste ano, serão
mais oito franquias em Madri, Parla, Getafe, Alcorcón, Majadahonda,
Aranjuez, Valladolid e Córdoba. “Era um modelo de negócio que não
existia e as pessoas querem inovar”, diz Martínez Molina. O preço também
conta; nesses locais é possível obter uma bicicleta recuperada por 175
euros (525 reais). Um preço ao gosto dos espanhóis, que estão dispostos a
pagar, em média, 211 euros em uma mountain bike, segundo os
dados da Indústria para o exercício passado; 9% a mais que no ano
anterior. Por um modelo urbano pagariam 169 euros.Enquanto as lojas veteranas estão sofrendo com a atomização dos negócios, os estabelecimentos centrados em um nicho específico de público (esportivo, urbano, BMX…) driblam melhor a situação. Andrés Arregui, além de fundador da Ciclos Noviciado, é um artesão; confecciona quadros de bicicleta sob medida. “Como um terno de alfaiate”, brinca. “Não posso fazer mais de dois por mês e, desde que comecei, em 2009, houve um aumento da demanda. Se me pedisse uma agora teria de esperar três ou quatro meses”, conta ele. Não recebe encomendas só da Espanha, mas de toda a Europa. “A figura do mestre de bicicletas desapareceu, por isso não há muita gente que faça esse trabalho. Até existem pessoas interessadas em aprender a soldar”, explica. Suas criações não são baratas – não saem por menos de 1.500 euros –, mas se percebe um interesse crescente. Começou com um par de encomendas e, no ano passado, fabricou 18 das 374.517 bicicletas produzidas na Espanha.
“Mais bicicletas, melhores cidades”, proclamam na Ciclosfera,
publicação dedicada às duas rodas. “Vive-se melhor em cidades onde há
mais bicicletas”, diz Rafa Vidiella, diretor da publicação. “Não só por
um motivo de urbanismo, mas também pela economia”, acrescenta. Cada
ciclista gera 276 euros de benefício intangível à sociedade (calculando
as economias que o exercício rotineiro produz no sistema de saúde, a
diminuição de problemas de poluição ou a redução de atrasos e faltas no
trabalho, entre outros), segundo cálculos da London School of Business.
Além disso, os ciclistas gastam mais em comércios locais, conforme se
depreende de um estudo realizado em Portland (Estados Unidos), onde as
vendas no comércio de rua cresceram 19% depois da instalação de
ciclovias. Com essas cifras, o prefeito de Lillestrøm justifica sua
decisão de pagar às pessoas para utilizarem a bicicleta em sua cidade:
“É um investimento”.
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